Dear diary,
São por volta das 4 da manhã e eu não quero dormir. Não quero adormecer e arriscar esquecer tudo aquilo que senti hoje, ou então não quero fechar os olhos e descobrir que na verdade foi tudo um sonho, porque é exatamente isso que parece.
Não vou continuar aqui a criar suspense até porque estou mortinha para registar isto.
Fui com o Kyle ao skate park hoje, como tinha aqui escrito ontem que estava planeado, e não encontrei nada de extraordinário, exceto Ella, claro.
Não, ela não estava a andar de skate naquele momento. No exato segundo em que os nossos olhares se cruzaram, ela estava a gemer de dor enquanto tentava de todas as formas tirar as suas botas pretas. "Ella", disse o Kyle, "O quê?", questionei, acordando dos meus pensamentos.
-Ela chama-se Ella, anda na escola ali em cima e é um bocado esquisita, anda sempre por aqui e já reparei que tem tendência para se magoar, o ano passado caiu do skate com tanta força que deslocou o ombro. Foi feio de se ver, to say the least. Pelos vistos torceu o tornozelo agora.
O Kyle calou-se e subiu a uma rampa, cumprimentou quem lá estava em cima e eu sentei-me no banco mais próximo da Ella. Por coincidência.
Ela tem o cabelo escuro e ondulado, pelos ombros mais ou menos, um sorriso desafiador até para quem acabou de se magoar e uma pele naturalmente morena. Está a usar uns óculos de sol estilo vintage, que lhe ficam bastante bem, sinceramente. Oh, e tem aparelho nos dentes, e eu reparei nisso quando Ella sorriu para mim.
-Se gostas tanto do que vês, tira uma foto, eu não vou viver para sempre. - Que voz encantadora, espera... o quê?
-Estás a falar comigo? - questionei em voz alta o suficiente para que apenas ela ouvisse. E Ella sorriu de novo, levantando-se com muito esforço e vindo-se sentar no banco ao meu lado. Pousou a quase vazia mochila cinzenta na mesa à nossa frente e tirou lá de dentro uma Polaroid.
-Claro que estou a falar contigo, não está aqui mais ninguém sentado, ou está?
Realmente não estava, e toda a gente num raio de 10 metros parecia demasiado entretida para reparar no que quer que fosse.
-Bom, vou tratar disso por ti, segura aqui - deu-me a câmara à mão - aponta para mim, sim, espreitas pela lente e carregas no botão. - a câmara tirou a foto que Ella queria que tirasse, e quando a pude ter na mão não tive reação.
-Está tremida. Não se vê nada. - disse eu, tentando esconder a certa tristeza, que eu não compreendia, da minha voz.
-Uau, essas habilidades fotográficas não te levam longe. - ela pegou na fotografia, abanou-a e deixou-a em cima da mesa. Virou-se para mim e disse:
-Sou a Ella, prazer em conhecer-te.
-Sou a Diane. - e então sorri, pela primeira vez desde que esta criatura mágica se sentou ao meu lado.
-Diane... não gosto, chamas-te Anne agora. Bom, Anne, o que fazes neste skatepark todo sujo sem uma prancha de skate? E de vestido?
Procedi então a contar que só tinha vindo para acompanhar o meu irmão Kyle, pois ele ainda não tem carta e o skatepark fica a uma grande distância da nossa casa, reparei que, enquanto eu falava, Ella olhava-me de cima abaixo.
-Tens carro, então?
-Tenho. Se conseguisses andar mostrava-to.
-Sorte a minha que já me arranjaram umas muletas.
Sorri-lhe. Ela sorriu-me de volta. Pegámos nas nossas coisas e andámos até onde eu tinha o carro estacionado. Ella olhou em volta e depois sorriu para mim de novo. Ela tem mesmo um sorriso lindo.
-Conta-me um pouco sobre ti, Anne. E não me poupes os detalhes. - diz enquanto eu destranco o carro e entramos as duas.
-OK, recentemente uma miúda decidiu mudar-me o nome então... sou a Anne, tenho 18 anos e acabei agora o secundário. Adoro escrever e já ponderei em escrever um livro, mas por enquanto deixo-me ficar por pequenos artigos para pequenas revistas. Tenho dois cães adoráveis que detesto passear sozinha, mas que o tenho de fazer todas as noites. É a tua vez, Ella.
-Certo, tenho 17 anos, quase 18, não julgues. Sou filha única e tenho um pequeníssimo grupo de amigos, com quem normalmente não programo planos à noite, se me quiseres convidar para ir passear os teus cães contigo. - deu-me um pequeno sorriso de lado, e eu sorri-lhe de volta. - Gosto imenso de ler e adoro ver anime.
Lá ao longe ouvimos umas vozes, que eu reconheci como sendo uma delas, a do Kyle.
-Gostei da iniciativa, devias passar lá por casa para irmos passear os cães esta noite.
Depois de eu o sugerir, e ela sem tempo para reagir, o Kyle chama-me, agora mais de perto, e diz-me que já podemos ir para casa. Muito rápido, abro a minha mochila enquanto o meu irmão está distraído e escrevo a morada do parque onde costumo levar os cães. Entrego-lhe, e ela pega na fotografia tremida, tira-me a caneta da mão e escreve qualquer coisa, que eu não tenho tempo de ver antes dela a enfiar na minha mochila, e sai do meu carro com dificuldade.
A viagem até casa foi exaustiva. O Kyle pôs o seu CD de "System of a Down" a tocar e foi o tempo todo a cantar. Pergunto-me que tipo de música a Ella ouve, e questiono-me se ela realmente aparecerá no parque.
Gostava de poder dizer que o tempo passou depressa, mas não. Eu é que fiquei uma boa hora a olhar para a fotografia e o que lá estava escrito. Um número de telefone. Não quis parecer interessada ou intrigada então deixei passar, não liguei ao número mas quis mesmo fazê-lo.
E finalmente são 23:00. Despeço-me do pessoal que mora cá em casa e saio com os cães, vou até ao parque e avisto uma figura de longe.
-Hey! Não sabia a que horas vinhas mas também acabei de chegar. Vamos andando?
Cumprimentei-a e dei-lhe espaço para passar com as muletas, começámos um silêncio que de desconfortável não tinha nada. Ela tinha vestido umas calças de ganga, um top preto e não estava a usar óculos agora.
Pediu se podia passear um dos cães e eu prontamente concordei, dando-lhe o que menos puxa, para ela poder andar com as muletas. Quando ela pegou na trela, as nossas mãos tocaram-se e reparei que ela ficou envergonhada. Não que se visse muito com a luz do luar e dos candeeiros espalhados pelo parque, mas de alguma forma nenhum restício de beleza se perdeu. Até se pode dizer que ganhou.
-Sabes, não sabia se vinhas mesmo, mas confesso que estou muito contente que tenhas vindo. - eu sorri de leve e puxei o meu cabelo encaracolado para trás da orelha. Ella ficou a olhar para mim sem dizer nada e depois sentou-se num banco, segui os seus movimentos.
-Também pensei em não vir, visto que não me ligaste ou deste o teu número de telemóvel. - sorriu e eu tirei o meu telefone do bolso, dei-lho para a mão e ela demorou uns bons 2 ou 3 minutos com ele. Vim mais tarde a saber porquê.
Começámos uma longa conversa sobre filmes, animes, música e séries quando ela me deixa a falar sozinha.
Olhou para mim como quem não quer a coisa e fez o que eu estava há muito tempo a querer fazer.
Beijou-me.
E foi como algo que eu nunca imaginei antes. Eu nunca tinha tido interesse sequer numa rapariga, quanto mais beijado. Foi inigualável.
Ela quebrou o beijo e sorriu para mim, olhou para o telemóvel e disse que tinha de ir embora, se não perderia o comboio. Eram 2 e tal da manhã, quando ela olhou para mim, deu-me um último sorriso, me beijou e saiu o mais depressa que as muletas permitiam.
Deixou-me ali com cara de parva e um sorriso estúpido na boca. Sentei-me e deixei-me ficar a recuperar da sensação única que foi beijar a Ella, nunca que nenhum ex namorado meu conseguiu chegar aos calcanhares deste sentimento.
Levantei-me depois de uns minutos e dirigi-me a casa com os cães.
Passando pela porta da sala, os meus pais disseram-me que eu estava estranhamente serena e questionaram-me se eu estava bem. Eu respondi que não podia estar melhor.
Subi as escadas e entrei no quarto, fechei a porta atrás de mim e tirei os sapatos, as meias, as calças e assim por adiante.Peguei na fotografia Polaroid e pu-la debaixo da almofada. Deitei-me assim e peguei no telemóvel. Abri a galeria e vi que havia umas 5 selfies dela que me deixaram parva, mas que rapariga mais bonita. Perdi-me a olhar para as fotos e o meu telemóvel vibra-me nas mãos, era uma mensagem da Ella.
"Amanhã à mesma hora? :)"
Enviei-lhe um "sim ;)" e vim para aqui registar isto.
Bom, amanhã acontecerá o que acontecerá, mas sei que quero sentir mais vezes o toque dos seus lábios nos meus. E agora que já registei isto, posso adormecer em paz.
Diane "Anne" Thompson
~K